Muito conteúdo na web tem discutido o motivo da grande enchente de 2024 no Rio Grande do Sul, o que inclui a capital do estado, Porto Alegre. Foi citado o relevo e sua relação com os ventos, o aquecimento global e a falta de contenção como algumas das possíveis causas. Mas, se focarmos nas enchentes em Porto Alegre, talvez você perceba, assim como eu, que, no final das contas, os culpados são sempre os seres humanos. Por isso, reuni bastante conteúdo para que você entenda como cheguei na resposta para o título deste post.
A maior parte do meu embasamento teve como principal referência o livro “Pôrto Alegre: Crônicas da Minha Cidade” publicado em 1961 por um advogado e ex-vereador de Porto Alegre. Na obra, de pouco menos de 300 páginas, Ary Veiga Sanhudo, escreve, em formato de crônicas, sobre a história da cidade apoiado em datas e acontecimentos citados em inúmeros documentos. Dentre estes documentos estão, por exemplo, anotações de capitães que navegaram pelas águas do Guaíba, anais de congressos e da Câmara Municipal de Porto Alegre, leis e decretos municipais, jornais e fotografias históricas, além de outras obras sobre o assunto.
A partir da leitura de todo o livro de Sanhudo, eu cheguei a uma conclusão sobre as causas da grande enchente de 2024 na capital do Rio Grande do Sul. Não poderei dizer que todas as demais cidades do Estado tiveram as intervenções que citarei. Então, também não posso afirmar quais as causas de tantos pontos de alagamento. Mas, se estudarmos as histórias de interferências humanas em cada uma das cidades afetadas, talvez encontremos, assim como eu encontrei, a solução para evitarmos tal catástrofe no futuro.
A verdadeira causa da grande enchente de 2024 em Porto Alegre
Antes de qualquer coisa, não, eu não sou engenheira civil, arquiteta, geóloga ou tenho qualquer formação em áreas correlatas. Mas vou mostrar que não precisamos ser especializados nesses assuntos para concluirmos que o que aconteceu com Porto Alegre, nessa imensa enchente de 2024, é resultado da falta de planejamento e das mãos humanas mal colocadas na natureza. Como normalmente acontece na maioria das tragédias climáticas.
Você verá, durante a leitura, que a cidade em questão sempre foi cheia de pântanos, de banhados e sofreu grande aterros em diversos bairros, alterações em arroios, etc., etc. Não vou detalhar essa segunda interferência. Vou me deter aos aterros, que foram extremamente invasivos no Lago Guaíba (que, até há pouco era chamado de rio e, antigamente, de mar!).
E, para qualquer início de conversa, se não houvessem humanos nas áreas afetadas em todo o mundo, não haveria “tragédia” alguma, correto? Seriam meros acontecimentos naturais.
Comece a ler pensando nisso e tire quaisquer pedras das mãos (isso não leva a nada mesmo). Mantenha a mente aberta.
Porto Alegre e seus vários aterros
Eu ouvi, desde a infância, histórias da minha mãe sobre um grande aterro, que veio desde o centro até a zona sul de Porto Alegre. Mas descobri que este não havia sido o primeiro, infelizmente.
Quando voltamos alguns séculos para trás, descobrimos que a capital dos gaúchos sofreu sucessivos aterros desde muito, muito cedo. Mas o que isso têm a ver com as enchentes na cidade?
Acontece que, antes mesmo dos malfadados aterros, a cidade já era pantanosa, cheia de áreas alagadas. Mesmo assim muitos, tanto brasileiros de outras regiões quanto estrangeiros, acharam este local “lindo”, ideal para tirar Viamão e colocar Porto Alegre como a capital do Rio Grande do Sul. Talvez tenha sido uma péssima ideia.
Então, para entendermos como era Porto Alegre antes de tantos aterros, antes da colocação das mãos humanas na natureza de forma tão agressiva, precisamos conhecer um pouco da sua história.
Para isso, temos de saber como era o ambiente onde, mais tarde, seria construída, sem qualquer planejamento, a capital do maior estado da região sul do Brasil.
Como era o Centro de Porto Alegre no século XVIII
Atualmente o bairro central de Porto Alegre é chamado de Centro Histórico. Esse nome foi colocado na tentativa de valorizar essa área, mais ou menos lá por 2011 (se me lembro bem), especialmente para o turismo. Infelizmente, nosso Estado do Rio Grande do Sul não tem uma boa mão para esse tema, deixando essa tarefa quase que exclusiva para Gramado, na serra gaúcha. Mas isso é assunto para outra matéria. Vamos focar em como era o meio ambiente quando tudo começou por aqui.
Sanhudo (1961) em um trecho de sua obra “Pôrto Alegre – Crônicas da Minha Cidade” nos conta o quanto o atual “Lago” Guaíba (anteriormente chamado de “Rio” e, originalmente, conhecido como “Rio Grande”) margeava as terras da capital do Rio Grande do Sul antes do início dos aterros, lá em 1747.
Ele começa contando sobre a primeira missa na cidade no dia 3 de dezembro daquele ano. Que, naquele dia, diz ele, os moradores da pequena povoação se dirigiram, bem cedo, para a pequena igreja (construída poucos dias antes) de frente para a Praça da Alfândega. A cidade ainda nem mesmo se chamava Porto Alegre. Era um distrito da freguesia de Santo Antônio dos Anjos de Laguna, assim chamada toda a região ao sul da ilha de Santa Catarina. Também os açorianos ainda não haviam chegado ou faziam parte dos cerca de 200 habitantes (pessoas advindas de algumas partes do Brasil).
E continua o autor:
Naquele tempo, isso aí era uma beira de praia braba. O rio, o velho rio dono dessas terras, mais que acostumado a brincar no marulhar indiferente das suas águas imprecisas e desordenadas, volta e meia ia lá no cocuruto da lomba e lambia suavemente as areias pardas dessa faixa costeira e irregular, densamente infestada de aranhas, cobras e outras faunas que se escondiam num roto manto verde de gravatás e juncos.
(SANHUDO, 1961, p. 10)
O Largo da Quitanda, hoje Praça da Alfândega, era um terreno alagadiço, com macegas e aguapés, “sujeito ao frequente desenfrear das águas do rio”. (Sanhudo, 1961, p. 45)
Muitos porto-alegrenses devem ter observado, com olhos tristes, as estátuas e as cadeiras da Praça da Alfândega, hoje cercada por prédios, submergidas quase até seu topo, visitadas por barcos de jornalistas que noticiaram o nível alto das águas do Guaíba que inundaram o centro de Porto Alegre em maio de 2024. Ou seja, nada mudou nesses mais de 200 anos: o Guaíba continuou o seu velho curso, indo até o início dos morros do Centro.
Em 1747, naquela primeira missa da cidade, Sanhudo (1961) ainda adiciona que aquela parte da Praça era um rancho de “pau a pique”, um terreno arenoso de praia coberto por capim e com alguns poucos arbustos e “tufos de macega”. Atrás, na rampa do morro, havia um mato inexplorado de árvores e cipós. “Tudo era muito primitivo e bucólico”, com uma escassa povoação.
Até o fim do século XVIII era um lugar completamente desabitado e, ainda no início do século XX a atual Praça General Osório era um “feio sangão, coberto de brejos e arbustos, servindo de depósito de lixo das redondezas” (Sanhudo, 1961, p. 41).
Naquele final do século XVIII acreditava-se que o número de ruas daquele povoado não chegava nem a uma dezena. E o nome Porto Alegre, não temos certeza de quando surgiu exatamente. Mas isso não vem ao caso para esse post. O que nos interessa, aqui, são os aterros e demais interferências humanas no ambiente natural de uma região naturalmente pantanosa.
Quando tudo era banhado pelo Guaíba
É de Sanhudo (1961) também a informação de que onde estava o “Largo da Fôrca” (praça perto da Usina do Gasômetro hoje), se tratava de outra região igualmente “banhada pelas águas do Guaíba”. Era um terreno baixo, lodoso, com aguapés e alguns arbustos rasteiros, onde pedras marcavam o término das águas. E foi nesse local onde se fez também o primeiro cemitério.
Nos anos de 1774, nessa área, estavam construídos o Palácio do Governador, a Câmara e o Presídio da povoação. E, mais tarde, em 1797, quando o Palácio já havia sido transferido para o atual local, na Praça da Matriz, a área do Largo foi transformada em “Largo da Fôrca” até 1857, o ano da última execução. E adivinhe o que aconteceu a partir de então? Aterros. Exatamente. Aterros para murar e sustentar bancos de mármore nos jardins ali formados para “urbanizar” e atrair o movimento da população local.
Também onde hoje se encontra a Praça XV “o rio, facilmente a inundava”, e ainda no século XX, “o seu aspecto era deveras calamitoso” (Sanhudo, 1961, p. 258). Mais tarde calçaram a área com paralelepípedos e drenaram as águas que a alagavam em vários pontos. Foi o Governador Otávio Rocha, o qual citarei novamente adiante, quem urbanizou e saneou essa e outras partes da cidade.
E alguns chamam isso de “progresso”, lamentavelmente. Na verdade, se trata da prepotência humana em pensar dominar o ambiente em que vive dado seu “grande” raciocínio quando comparada a outras espécies do reino animal. Mas, vou lembrar-lhes de que nenhum outro animal usa seus instintos para “revolucionar” e “progredir” acabando com áreas de matas virgens para seu próprio bem-estar. Muito menos, aterra qualquer coisa. Exceto no caso de formigueiros, como o fazem estes pequenos insetos nos jardins gramados dos humanos.
Você já está me chamando de “Ecochata”? Não perca tempo com isso e continue a leitura, porque você não pode ignorar o verdadeiro motivo de tanta água nessa cidade, correto?
Não muito distante do centro também era banhado
Na área onde se encontra o atual Parque da Redenção, num ponto entre o Centro Histórico e os bairros Floresta, Cidade Baixa e Bom Fim, também temos referências sobre o ambiente “molhado”, digamos assim, desta região em tempos passados.
Sanhudo nos conta que ali era um grande banhado em 1771, com alguns tufos de mato e “outras capoeiras” (p. 209). Tudo era deserto. E a área era utilizada somente para exercícios militares. Depois da Guerra dos Farrapos o “parque” ficou ainda mais pobre, com terreno “batido”, alagado e evitado por todos os habitantes do pequeno povoado.
Perto dali, para o lado da atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul, havia um atoleiro tão grande “que os animais ficavam enterrados até a barriga!” (Sanhudo, 1961, p. 211).
Em 1935, foi criado o famoso lago artificial da Redenção e o antigo banhado foi transformado em alamedas de passeio.
O bairro Santana não era diferente de tantos outros da capital gaúcha. Até meados do século XIX, “era vasto banhado, de acordo com Sanhudo (p. 228). O Arroio Sabão (Arroio Dilúvio hoje em dia) cruzava ele em dois sentidos e deixava valetas fundas que eram inundadas já nas primeiras chuvas.
Em 1754, depois de dois anos da chegada dos casais açorianos à cidade, em outubro, houve a maior enchente de que se lembrava o povoado. O arroio “desordenado” invadiu todo o bairro da Azenha entre o Morro Santana e o Morro da Várzea. Era o Arroio Dilúvio que, de tanta força, permitiu a um açoriano construir uma roda de moinho em frente ao local onde está o Hospital Ernesto Dornelles hoje em dia. Daí o nome do Bairro Azenha, já que azenha significa “roda” (confesso que eu nunca havia feito essa relação antes da pesquisa para este post).
Ainda em 1875, a área da atual Avenida Sertório era um banhado. Daí termos nosso Aeroporto Internacional tomado pelas águas em 2024.
E os aterros continuam no centro de Porto Alegre
Até meados dos anos 1800, Sanhudo nos conta que o trecho da beira rio, entre o Beco da Ópera e a Rua da Ladeira era uma “desolada praia arenosa chamada Costa do Rio e ia pouco além da atual Rua Sete de Setembro” (p. 115) – Rua Nova da Praia ou Rua da Alfândega antigamente. A atual Siqueira Campos era água do rio que banhava toda sua extensão. Aquela zona da cidade era pantanosa, inútil, como o autor destaca, para qualquer edificação.
Nos anos de 1830, a atualmente conhecida como Praça XV era pântano, assim como toda a costa do Rio de acordo com Sanhudo (p. 112). E em 1863, foi ordenada a construção de um grande mercado, o que demandou muito aterro por toda aquela área.
Ainda nos conta o autor que, na conjunção da Sepúlveda com Visconde de Mauá, o rio “era fundo e perigoso”. E que, pouco antes do final do século XIX, a área onde se encontra atualmente a Siqueira Campos já havia sido aterrada e transformada em beira de praia recebendo trapiches para desembarque de passageiros e mercadorias. Esses trapiches ficavam nas proximidades de onde está, hoje, a Travessa Francisco de Leonardo Truda e seus altos prédios de concreto.
Assim, no início do século XX, toda a faixa que se estende da Rua 7 de Setembro ao lado norte da capital gaúcha era ainda “boa e navegável praia” (Sanhudo, p. 66). Havia somente estes trapiches da Alfândega e de companhias de navegação. E nada mais!
Isso até que, nesse mesmo período entre o final do século e o início dos anos 1900, o Governador Dr. Montaury seguiu com a sucessão de aterros, nivelando a beira da praia entre a Prefeitura e a Alfândega.
Por sua vez, a Avenida Sepúlveda foi batizada por decreto depois do aterro desta área toda, obra do Intendente Otávio Rocha, o “grande modelador da cidade”. Ele prolongou a Rua das Flores e o Prefeito Major Alberto Bins terminou a obra mudando seu nome para Siqueira Campos (Sanhudo, 1961, p. 152).
O Governador Paulo Gama já havia feito também um grande aterro em 1861. E, em 1869, começaram os preparativos para os aterros do bairro onde hoje está o Aeroporto Internacional Salgado Filho, pois a região era de muita terra seca, mas com vários arroios.
E ainda mais aterros na capital gaúcha
As grandes enchentes não foram suficientes para parar os aterros em Porto Alegre. Desde o final de 1800 que o Dr. Borges de Medeiros já desejava aterrar o bairro Praia de Belas. Ahh, o QUERER e o TER DE… Podem afetar tantas vidas!
Mesmo que nosso antigo prefeito não conseguisse, ele deixou essa ideia pairando no ar dessa cidade até que o tal aterro acontecesse pelas mãos de Leonel Brizola.
Nessa época, ali ainda era “fundo e sereno Guaíba” conforme Sanhudo (p. 184). A obra deste autor foi publicada em 1961 e foi em 1956 que foi doada essa área ao Internacional, que deveria aterrá-la para a construção do seu estádio de futebol no prazo de dois anos.
Havia, inclusive, nesse mesmo decreto, a obrigatoriedade do clube esportivo, da construção de um prédio de grupo escolar para 200 alunos a ser entregue ao Município. A Lei era a de número 1651, de outubro de 1956. Me corrija se eu estiver errada, mas nunca vi nenhuma escola construída pelo Inter nessa área em todos os meus quase cinquenta anos de existência.
Uma curiosidade: a Avenida Praia de Belas já existia muito antes disso. Fora “aberta” (lembrando que era tudo mata) pelo Conde da Figueira, governador da capitania em cerca de 1819. Em 1835, o bairro era ainda uma área abandonada, com picadas e sangões. E em 1839, a Avenida se chamava Caminho das Belas e margeava o rio.
Em 1954, as mesmas dragas que criaram o bairro Praia de Belas, aterraram alguns metros da Ilha da Pintada. Antes disso, “o local da modesta vila”, habitada desde os primórdios pelos colonizadores açorianos, como afirma Sanhudo (p. 281), era baixo e pantanoso. A enchente de 1875, encobriu todo o seu território deixando somente a ponta das grandes árvores de fora. Assim como aconteceu muitas vezes depois disso. Eu mesma vivenciei a dor de ex-colegas de trabalho, que moravam nas Ilhas e perderam tudo (mais de uma vez) nas décadas de 2000 e 2010. E ninguém pensou em abandonar esse local depois de todas estas vezes?
A primeira grande enchente de Porto Alegre, em 1842
Os poucos moradores no século XIX de Porto Alegre já conheciam enchentes. Durante toda sua obra, Sanhudo (1961) cita as peripécias das “águas sorrateiras do nosso plácido Guaíba” (p. 58).
Esta primeira aconteceu em 1842 quando “as lodosas águas do Guaíba viriam a banhar o irregular calçamento da Rua da Praia e invadir grande parte dos terrenos situados mais para a extremidade da península. […] Foi a primeira grande enchente que a cidade conhece, e que entrou precisamente assustando as casas comerciais da Rua da Praia. […] Não há dúvida que era um Deus nos acuda”. (Sanhudo, p. 87). E veremos que isso aconteceu outras vezes. Não é nenhuma novidade, infelizmente.
Na verdade, como já citei de Sanhudo, a primeira enchente mesmo foi a de 1754. Mas podem ter acontecido vários outras antes desta também sem que tenhamos conhecimento, já que os colonizadores ainda não haviam chegado a estas terras, claro. E, antes deles, poucos (ou mesmo ninguém) guardaram relatos do crescimento de Porto Alegre no papel.
Outras grandes enchentes em 1850, 1873 e 1897
Pois é, não demorou muito (menos de cinco anos!) para que uma nova enchente tomasse a Rua da Praia. E esta foi ainda maior do que a de 1842.
E a cidade teria outras enchentes históricas em outubro de 1873 e em novembro de 1897, conforme Sanhudo (p. 91).
E, mesmo assim, sabendo deste perigo, em aproximadamente 1875, grandes edifícios, entre hotéis e outros tipos de comércios, foram construídos pela cidade. Muitos destes justamente na Rua da Praia, que era sempre atingida pelas inundações.
Em 1877, a cidade enfrentou uma grande seca.
Daí o valor da expressão “conhecer o passado para saber o futuro”. Meteorologistas já previram uma grande seca depois dessa enchente enorme no Rio Grande do Sul em 2024. Essa seca de 1877 foi tão forte que o Dilúvio quase secou! E isso aconteceu quatro anos após os alagamentos de 1873. Esperemos que não se repita, obviamente. Mas a realidade de extremos naturais está “batendo na nossa porta” faz tempo, temos de admitir.
E chegou a famosa enchente de 1941
Antes de 2024, a enchente histórica mais marcante de Porto Alegre havia sido a de 1941, que aconteceu, coincidentemente, no mesmo mês de maio. Conforme as palavras de Sanhudo (1961), aquela (a de 1941) foi a “mais avassaladora de todos os tempos”. As águas banharam completamente a Rua da Praia indo até a esquina com a atual Avenida Borges de Medeiros.
O Guaíba quase subia a ladeira da atual General Câmara. E, quem conhece esta rua, sabe como esta ladeira é íngreme! A Voluntários da Pátria especialmente sofreu com a água subindo “vários metros” por lá cobrindo as casas próximas da igreja (Sanhudo, p. 258). Lembrando que essa área central era naturalmente pantanosa costa do rio.
A irmã de meu bisavô morava na Avenida Júlio de Castilhos, no centro de Porto Alegre, quando as águas invadiram o bairro. A família teve de ser resgatava de barco do prédio em que moravam.
Mas o Guaíba não parou por ali. A enchente cobriu o Bairro Floresta muito além da já existente Avenida Farrapos. E as últimas águas alcançaram propriedades da afastada Rua Benjamin Constant ultrapassando-a em vários pontos. “A calamidade não podia ser maior. Prejuízos e estragos incalculáveis” (Sanhudo, p. 222).
Essa Rua Benjamin Constant ficou famosa nos noticiários de 2024 (quase tanto quanto a Avenida Mauá), porque foi dali que partiram os resgates da população atingida na zona norte da cidade. Vários canais de televisão noticiaram a partir deste ponto o trabalho de salvamento também de centenas de pets, que foram buscados posteriormente.
Aquela primeira grande enchente inundou também mais da metade do Bairro Navegantes causando prejuízos “incalculáveis” (Sanhudo, p. 266). Por muitos dias as águas alcançaram o teto das casas e chegaram “até os extremos limites dos seus intransitáveis quarteirões”. Mais para o sul da cidade, o Arroio da Cavalhada invadiu as áreas mais baixas do Cristal.
O grande problema da ignorância quanto ao número das enchentes em Porto Alegre é que muitos acreditam que vivenciamos este problema somente em 1941 e quase cem anos depois, em 2024. Mas, na verdade, foram muitas outras. E, como bem explicam os especialistas em geologia e meteorologia, dados os impactos das nossas ações no mundo, isso poderá acontecer com ainda maior frequência.
Por isso, me assustei quando ouvi, de pessoa estudada (antes que você se pergunte), de classe média alta e que teve sua casa totalmente invadida pelas águas neste 2024, que “isso não acontecerá de novo”. Ora, de onde vem essa certeza? Lá vamos nós pensando que sabemos mais sobre o planeta do que ele mesmo… Mais uma vez!
Quantas vezes deverão acontecer tragédias naturais como esta para que os porto-alegrenses e outros gaúchos das tantas cidades alagadas entendam que não há outra opção senão a de mudarem os locais de suas residências e comércios?
Mas as enchentes não pararam até a de 2024
Seguindo o mesmo padrão, em 1967, Porto Alegre teve outra grande enchente. Esta, aconteceu depois da publicação da obra de Sanhudo (1961). Então, a partir daqui, terei de contar com a minha memória mesmo.
Acontece que as águas continuam subido com frequência, porque lembro da enchente de 2015 e, mais recentemente, daquela de 2023, claro. Esta, muito próxima de 2024. Na de 2015, fui obrigada a caminhar com a água na altura dos joelhos pela Voluntários da Pátria para conseguir chegar na garagem onde meu carro estava e poder voltar para casa depois do trabalho. Ainda tive de confiar na sorte de que meu veículo passaria pelos inúmeros pontos alagados ao atravessar a cidade.
Enfim, ainda não posso, dada a recorrência desse acontecimento natural em Porto Alegre, afirmar que a causa tem conexão com o aquecimento global. Mas não podemos ignorar que, se compararmos as grandes cheias de 1941 e de 2024, enquanto na primeira decorreram vinte dias até a enchente, desta vez, foram apenas cerca de quatro dias. E isso, sim, parece ter a ver com os danos que viemos causando à natureza há tantos anos.
Além dos aterros, o mal planejamento
Seria muito simples afirmar que todo o mal trazido pelas enchentes foi causado exclusivamente pelos aterros. Como eu já disse anteriormente, se ninguém morasse ou trabalhasse nas áreas atingidas, não haveria tragédia alguma.
Acontece que Porto Alegre não contou com qualquer planejamento para erguer suas construções.
Sanhudo mesmo destaca que “o povo construía a seu modo e as edificações iam saindo assim na brasileiríssima maneira de fazer as coisas. Improvisava-se simplesmente!” (p. 223).
Ou seja, Porto Alegre, assim como a grande maioria das cidades do Brasil, é “improvisada”.
Nem o “20 de setembro”* nos salva disso, meus caros! Moramos e trabalhamos em terras úmidas e sem qualquer projeto para isso.
E, como tantas outras cidades, também temos o desafio da moradia em terras perigosas e invadidas. São pessoas que não conheciam as condições dos locais, de bairros inteiros, próximos de diques de contenção, de arroios rasos e propensos a inundações frequentes, mas que precisavam construir sua casinha para se protegerem do longo inverno deste gelado estado do Brasil. Nada romântico como estas palavras possam querer parecer. Mas é preciso olhar para isso, agora mais do que nunca!
O ser humano precisa de líderes que façam a parte complicada. A de proteger essas pessoas. Nem que seja das más decisões tomadas por elas. Acontece que também os governantes são humanos e erram com suas próprias regras – desde o surgimento do nosso país.
Entretanto, não temos como aceitar apenas “reconstruir” o que as águas levaram. Precisamos de uma solução definitiva para que isso não mais aconteça.
∗Parte da letra do Hino Rio-Grandense, o hino oficial do Estado do Rio Grande do Sul adotado nos anos 60, do compositor Francisco Pinto da Fontoura. A data é citada na letra como “percursora da liberdade” e está relacionada à madrugada deste dia, em 1835, quando se iniciou a Revolução Farroupilha.
Uma capital que não guardou sua história
Deixando um pouco as enchentes de lado, e para que você entenda a solução por mim sugerida nesta matéria, temos de levar em consideração que Porto Alegre não possui quase nenhuma construção legítima histórica.
Até consigo sentir arrepios dos pensamentos dos historiadores e arquitetos ou engenheiros civis que estiverem lendo estas linhas. Mas eles terão de concordar comigo que, desde seu início, praticamente todos os prédios antigos já foram destruídos ou até mesmo tiveram seus locais alterados na cidade.
Sanhudo (1961) mesmo nos conta que desde os tempos da República destruíram vários prédios históricos em cerca de 1870, inclusive nossa primeira catedral.
E Sanhudo não é o único a afirmar isso. Os arquitetos e professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Católica de Santos, Alberto Xavier e Ivan Mizoguchi, em sua obra Arquitetura Moderna em Porto Alegre, publicada em 1987, já iniciam com nota preliminar destacando a dificuldade em adquirir documentação a respeito. Já que esses registros são raros e alguns estavam praticamente “perdidos”. “Quando a cidade acordou para a necessidade de preservação de sua identidade urbana, percebeu sua imagem já bastante esmaecida e desfigurada. […] Os espaços abertos que compunham seu centro histórico estão hoje bastante descaracterizados” (Xavier e Mizoguchi, p. 16).
Os autores contam que a escolha por Porto Alegre teve, na verdade, um objetivo militar, já que esta península era área estratégica à beira do Guaíba com facilidades de navegação. E, como a parte mais ao sul (atual Praia de Belas) era muito rasa, a população, que pretendia construir estaleiros, se instalou inicialmente na parte norte da cidade.
Continuando com Sanhudo, ficamos sabendo que a cidade teve também uma Casa de Comédia (eu nunca havia sequer ouvido falar nela) aberta no Centro em 1794, quando a Rua Uruguai não chegava até a atual rua Dr. José Montaury. Posteriormente, cerca de dez anos depois, ela foi transformada em Casa de Ópera. E em 1839, o Vereador Souza reclamava no Legislativo sobre o perigoso precipício em frente de onde se encontrava a Casa da Ópera, nessa época já em ruínas, e sobre o charco fundo de águas paradas e fétidas do outro lado. E solicitou deixar mais rasa a frente e entulhar o charco, por causar danos à saúde pública. E a tal Casa de Comédia ou de Ópera deixou de existir. Mais um prédio perdido na história arquitetônica não mantida de Porto Alegre.
Se não pelo descaso, pelo fogo
E como se não faltasse proteção histórica às edificações mais antigas de Porto Alegre, muitos prédios que conseguiam resistir à destruição ou modernização impensada, acabaram sendo atingidos por incêndios.
Sanhudo (p. 113) nos conta que em julho de 1912, o mercado público pegou fogo e foi quase todo destruído.
Eu mesma ainda lembro bem quando o acidente se repetiu em 2013. As chamas destruíram novamente quase todo nosso mercado.
Porque não culpo os últimos prefeitos de Porto Alegre
Tenho visto uma ampla campanha de cidadãos porto-alegrenses a favor do impeachment do Prefeito Sebastião Melo ou mesmo do Governador Eduardo Leite. Talvez essas pessoas devessem ler um pouco mais sobre a história da cidade e seus aterros como eu o fiz.
Dessa forma, tenho certeza que mudariam de ideia. Afinal, se não temos mais como responsabilizar antigos governantes, como Otávio Rocha, Borges de Medeiros, Leonel Brizola, e tantos outros, já há muito sepultados, por que faríamos isso com os atuais governantes?
E que sentido faria culparmos os prefeitos de dez ou vinte anos atrás por isso também? Para eles, as comportas construídas depois da enchente de 1941 eram suficientes para conter os alagamentos no centro da cidade. Os diques construídos em outros bairros da capital para esse propósito também tiveram grandes investimentos começando pela contratação de engenheiros (olhem os especialistas aí). De quem é a culpa afinal?
Eu vos digo. É da ganância e arrogância humanas, meus amigos. Dessa mania de pensar que nós podemos interferir no mundo do jeito que quisermos. Que TEMOS DE deixar nossas marcas em cada administração: das pequenas cidades até as grandes metrópoles.
Quem diria que Otávio Rocha e Borges de Medeiros teriam errado tanto? Afinal, eles são nomes de ruas importantes na cidade. Homens de “grandes feitos” afinal!
Ah, se eles pudessem ver o que causariam tantos anos depois. E o que podemos comentar sobre aqueles estrangeiros que acharam, vendo o lodo todo do Guaíba, que aqui seria o melhor lugar para firmar uma capital de Estado?
Por outro lado, é nossa vez de admitirmos nossa pequenez e não mais usarmos essas terras pantanosas para erguer nossas moradias e comércios. Chegou a hora de mudarmos. E aí está um ponto complicado para os “sábios” seres humanos. Com todo seu raciocínio, na verdade, têm tremenda dificuldade de adaptação. Muito ao contrário do que muitos cientistas costumam afirmar. Enquanto dizem que nossos corpos se adaptaram, parece que o cérebro ainda não.
Até mesmo quando algum sistema se modifica no dia a dia de um profissional de uma grande ou pequena empresa é um Deus nos acuda (parafraseando Sanhudo)! Imagine mudar casas ou bairros inteiros de lugar.
E um recado para quem quer a retirada do Prefeito de Porto Alegre: se eu estivesse no lugar dele, aí sim, iriam me querer bem longe daqui! Eu faria com que ninguém mais morasse em locais de risco. Imagine a revolta! “Minha família mora toda aqui há mais de vinte anos”. “Sim, senhor, essa área foi toda invadida, sem o aval das autoridades. Estas contra a qual vocês levantam foices agora”.
Pois é. Mas, não se preocupem, pois eu levaria todos os moradores (parentes e amigos, todos juntos) para um lugar seguro e com planejamento. Existem várias terras do governo sem habitações ou mesmo prédios inteiros vazios em outras áreas mais altas da cidade atualmente que serviriam para este propósito muito bem. Está nos jornais, para quem quiser ver. Inúmeras matérias sobre locais desabitados.
E, não, não quero me candidatar a nada. Sei que eu não conseguiria lidar nem com uma parcela de toda essa responsabilidade (você conseguiria?). Só em imaginar como seria a complexa logística de cadastro e legalização de terras para toda essa gente, já deixo para outro(a) corajoso(a). Mas uma coisa eu não farei. Não culparei o prefeito de Porto Alegre. Este que eu mesma vi alertando, nos próprios locais (pessoalmente) e em tempo real, sobre o alagamento que se prenunciava e pedindo para aqueles que ali estavam saírem imediatamente. Está lá no Instagram. E não foi somente uma vez.
Nossos governantes não têm como prever que um dique (construído por especialistas que eles pagaram muito bem para fazê-lo) não aguentará a força de chuvas torrenciais como estas de maio de 2024. Não havia como antecipar se as comportas do Muro da Mauá aguentariam toneladas de água como aconteceu neste ano.
E vou sempre repetir: temos de deixar de tentar conter qualquer ação da natureza. O que nos resta é regredir nosso “progresso” que só está nos trazendo prejuízos.
Tornar o que era praia, praia novamente irá nos permitir dormir com tranquilidade sabendo que nossas crianças e idosos não precisarão ser resgatados no meio da noite por barcos improvisados por vizinhos e que os produtos de nossas lojas estarão secos no dia posterior para poderem ser vendidos e suprir as necessidades das nossas famílias.
Por outro lado, se você acredita “que isso não vai acontecer de novo”, ok. Cada um é livre para pensar e fazer o que quiser. Mas, neste caso, não é justo buscar outros culpados senão você mesmo(a) de ter-se colocado nessa situação.
Cidades-esponja ou parques inundáveis não são soluções
É incrível como, ao invés de pensarmos em soluções novas, preferimos o mais fácil sempre. Neste caso, estou me referindo ao velho e bom “nada se cria, tudo se transforma”. Nunca gostei dessa expressão… Afinal, esse tão falado raciocínio que temos deveria ter condições, sim, de criar muita coisa inédita.
Ou talvez não e eu esteja errada. Não sou dona da verdade. Ninguém é. Aquela outra velha expressão “só sei que nada sei” me parece mais verdadeira a cada dia que se passa nessa minha vida terrena.
Bom, filosofias a parte, logo que começou a enchente de 2024 no Rio Grande do Sul, apontaram diversos vídeos no Youtube sobre “parques inundáveis” e “cidades-esponja” que foram construídas para evitar prejuízos com alagamentos em zonas urbanas.
Acontece que este tipo de “solução” não elimina o perigo que grandes enchentes trazem a cidades tantas vezes populosas hoje em dia. “Existem muitas pessoas no mundo”, como costumava dizer minha falecida avó. Era uma mulher que lia muito e sabia de muita coisa, especialmente sobre Geografia. Ela acompanhava sempre um jornal local e outro alemão. E estava preocupada constantemente sobre como a agricultura faria para alimentar a população mundial que crescia exponencialmente. Sobre como faríamos para acabar com guerras civis e religiosas que assolam tantos países parecendo algo eterno, pois sempre aconteceu.
Enfim, temos muita gente no mundo. Verdade. Mas isso não é motivo para escolhermos algumas em detrimento de outras. Explico o que isso tem a ver com o motivo de eu não acreditar em parques inundáveis, etc.
Os casos da China e Curitiba não são bons exemplos na contenção de inundações
Um dos exemplos levantado como possível solução para a grande enchente de 2024 no Rio Grande do Sul foram os “parques inundáveis” construídos em algumas cidades por aí. Eu vi citados exemplos como Pequim, na China, e Curitiba, aqui perto, no Paraná.
Claro que eu nunca paro na primeira fonte e fui pesquisar mais a respeito. E fica dica desde já: para um mundo melhor procure se informar sempre mais sobre o que estão te dizendo, especialmente nas redes sociais e até mesmo nos tradicionais meios de comunicação. Porque, infelizmente, hoje em dia, alguns jornalistas acreditam mais em colocar suas opiniões (se aproveitando do espaço que a TV lhes dá) do que serem imparciais repassando apenas os fatos aos espectadores. Novamente, assunto para outra matéria. Continuemos.
Como o assunto era internacional (Pequim) achei melhor pesquisar em inglês para ampliar as possibilidades. No The New York Times, por exemplo, encontrei uma grave denúncia de que Pequim alagou cidades menores vizinhas para salvar sua população. Está na própria chamada da notícia (traduzida para o português): “A raiva aumenta em cidades deliberadamente inundadas, em parte, para salvar Pequim” . Não preciso entrar em detalhes sobre a matéria, pois já podemos ver por aí que Pequim não é um bom exemplo de “cidade-esponja” alguma. Porque, se o sistema funcionasse, nenhuma cidade vizinha precisaria passar por isso.
Continuei pesquisando e encontrei outra matéria, de uma fonte bastante conhecida, a Reuters, cuja chamada também já nos dá uma resposta sobre a ineficiência das tais “cidades-esponja”. Seu título traduzido é “O que são as ‘cidades esponja’ da China e por que não impedem as inundações?” .
E, para acabar com qualquer exemplo brasileiro, o de Curitiba também não ajuda. Esta matéria sobre o alto risco de inundação maior do que a de Porto Alegre tira a capital paranaense de modelo de qualquer área inundável como solução para enchentes.
Talvez este tipo de “solução” sirva para alguma chuvinha mais forte. Mas de forma alguma para grandes enchentes como andam defendendo pela web ultimamente.
No final, só existe uma solução: realocação
Eu não poderia deixar estas linhas todas me denunciarem como sonhadora ou ingênua. Assim, pouco antes de publicar este post, procurei por notícias do “Primeiro Mundo” sobre como alguns locais estão reagindo às enchentes. Sim, porque enchentes acontecem em diversas partes do planeta Terra, não somente perto de nossos umbigos.
Depois dessa pesquisa, encontrei o caso de Valmeyer, em Illinois, nos Estados Unidos. Em 1993, essa cidade ficou praticamente submersa depois de uma enorme inundação. As águas, que subiram cinco metros, destruíram 90% dos edifícios locais. Conhecendo as travessuras do Rio Mississipi, a pequena população decidiu mudar a cidade de lugar. O povoado de menos de mil pessoas reconstruiu seu vilarejo em uma colina com mais de um quilômetro e meio de altura.
Nessa matéria, você poderá conferir que “existem dezenas de comunidades em todo o mundo atualmente em processo de realocação de parte ou de toda a sua infraestrutura devido aos crescentes impactos climáticos”. Essa colocação é de AR Siders, professora estadunidense assistente do Centro de Pesquisa de Desastres da Universidade de Delaware. E ela completa: “muitos mais terão de considerar esta opção nas próximas décadas”.
Não, eu não estou louca afinal. Tem mais gente que acredita nesta solução.
Enfim, depois da enchente de 2024
As tantas enchentes parecem recados para que voltemos atrás de equivocadas decisões para Porto Alegre.
Veja que poucos prédios são realmente históricos numa cidade que destruiu praticamente todos aqueles da época de sua inauguração. Ou seja, não há nem mesmo esse tipo de motivo para que não mudemos tudo novamente a fim de poupar documentos, obras de arte e comércio local de uma nova enchente.
Quem dera, Porto Alegre ainda tivesse seu centro como o era em 1771, quando “raras casas bordavam a paisagem verde e luminosa dêsse outeiro do Morro da Praia, refletido encantadoramente nas águas mansas do nosso maravilhoso Guaíba. Não tenham dúvida que deveria ser algo extraordinário!” (Sanhudo, 1961).
Não, nesse maio de 2024, nossa cidade não esteve “Alegre”. Pois o choro dos céus veio impiedoso sobre essas terras cheias de rebarbas deixadas por gerações de “engenheiros” despreocupados com a força (existência) da natureza.
Agora, a única solução vem com ares de destruição. E não é por culpa da mãe natureza. Precisamos retirar o que colocamos no nosso grande lago. Deixar que ele encha as terras que sempre foram suas novamente. Dessa forma, não mais sentiremos sua invasão, mas perceberemos que podemos conviver em harmonia. Cada um fluindo para onde deve fluir. Todos para e por um Mundo Melhor.
Referências bibliográficas:
SANHUDO, Ary Veiga. Pôrto Alegre. Crônicas da Minha Cidade, vol 1., Edições Sulinas, Porto Alegre, 1961
XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: FAURGS / Pini, 1987.