Taming the Garden ou Domando o Jardim, um homem rico que coleciona árvores
Taming the Garden ou Domando o Jardim, em português, é um documentário de 2021 dirigido por Salomé Jashim. Jashim é georgiana, ex-jornalista e já foi premiada inúmeras vezes por este trabalho de 2021 em inúmeros festivais de cinema.
A cena de abertura do conto ambiental de Jashim nos mostra uma árvore do tamanho de um prédio de 15 andares flutuando em uma barca pelo Mar Negro. A poesia da cena acaba quando ficamos sabendo que a árvore está sendo levada para o distante jardim privado de um multimilionário, que coleciona esses vegetais lenhosos antigos. Para isso, ele compra e remove as árvores estrangeiras para plantar em seu próprio jardim.
Confira o trailer do filme:
TAMING THE GARDEN trailer from Salomé Jashi | Sakdoc Film on Vimeo.
O documentário acompanha o desenraizamento de antigas árvores na Geórgia (onde nasceu Jashim), país da Europa Oriental, que se limita com a Rússia, Turquia e Armênia. Durante esse processo, vemos a grande tensão entre os trabalhadores e os aldeões. Enquanto uns enxergam tudo como progresso e auxílio financeiro através da venda das árvores, outros percebem a perda da memória coletiva de suas cidades. Trata-se da documentação de uma profunda desconexão humana com a natureza.
Quais os fatos por detrás de Taming the Garden?
Domando o Jardim, documenta o hobby de um ex-primeiro-ministro da Geórgia, que criou o hábito de comprar árvores centenárias e levá-las para seu jardim privado. O ex-ministro trata-se do bilionário Bidzina Ivanishvili, um dos homens mais poderosos da Geórgia.
Segundo a Forbes, Ivanishvili encabeça a 589ª posição da lista de Bilionários 2021. Ele mora em um complexo de 108.000 pés quadrados nas montanhas com vista para Tbilisi. Além de árvores, ele também coleciona obras de arte.
Na matéria intitulada Uma Árvore atravessando O Mar Negro – Como o Homem Mais Rico da Geórgia fez de Tudo para ser Dono de Mais de Duzentas Árvores, a jornalista Rosa Ruela nos relata os fatos reais nos quais se baseiam Taming the Garden. Ruela resume bem a mensagem do filme: “o testemunho de um capricho e de um desastre ambiental”.
Esses “desastres” vão além da retirada de uma árvore secular de seu local de nascimento. Para transplantar uma árvore desse tamanho são cortadas outras tantas. Além disso, são abertas muitas novas estradas para chegar até a árvore e levá-la até o meio de transporte que a transportará até o jardim de Ivanishvili aumentando os prejuízos ambientais.
Ainda conforme Ruela, durante o processo de milhões de dólares as equipes de Ivanishvili construíram novas estradas e novos cais para que as árvores chegassem até a costa. E mesmo após muitos protestos ambientalistas, nada conseguiu (e consegue?) deter o (ex)político.
Bidzina Ivanishvili, uma Eminência Parda da Geórgia
Na política, uma eminência parda é alguém que não governa o país ou local, mas é a real detentora do poder. Ela age por trás do governante, que se transforma em sua marionete. Essa eminência pode utilizar-se de qualquer tipo de influência para exercer seu poder: militar, econômica, religiosa e/ou política.
Assim como na vida política georgiana, Bidzina Ivanishvili nunca aparece ao longo dos 92 minutos do documentário. Seu nome é vagamente citado, mas sua presença perversa pode ser percebida em cada acontecimento do filme. Essas cenas foram capturadas por Salomé Jashim durante dois longos anos e só foram possíveis devido à vaidade dos engenheiros envolvidos nos processos de transplante das árvores.
Ivanishvili ganhou dinheiro com metais e bancos na Rússia, após o fim da União Soviética. Depois sacou tudo e voltou para a Geórgia em 2003. Ele foi primeiro-ministro da Geórgia apenas por treze meses entre 2012 e 2013. Então, após seu partido vencer as eleições presidenciais, ele pediu demissão do cargo. O que ele queria estava concluído.
Ainda hoje, o partido que ele mesmo fundou, Sonho Georgiano, continua no poder. Mesmo afirmando estar fora da política é sabido que ainda detém o poder na Geórgia. Seu próprio aliado, Giorgi Gakharia, também se demitiu do cargo de primeiro-ministro dizendo que o controle do multimilionário havia se tornado asfixiante. Também Armaz Akhvlediani, membro do Parlamento, afirma na matéria de Ruela: “Não o vemos em nenhum lado, mas a verdade é que está presente em tudo”.
Ora, está mais do que claro que o ex-ministro milionário se trata de uma das eminências pardas mais vaidosas. Já que nenhuma outra (e devem ser muitas) foi descoberta, ou mesmo divulgada, pelo mundo.
No último dia de 2015, Ivanishvili começou sua extração de árvores no final de 2015, com autorização de apenas 2.600 dólares. Nem mesmo guerrilheiros da região da retirada do vegetal impediram o “colecionador”. Seus funcionários foram escoltados por agente da polícia, que deteram alguns poucos ativistas que tentaram impedir o trator.
Até mesmo o ministro do Ambiente veio a público dizer que era tudo legal depois do transplante de mais de 200 árvores, pois o assunto já havia viralizado. Ainda tentou convencer-nos de que algumas árvores estavam em risco e que seria melhor que Ivanishivili cuidasse delas.
Estima-se que, em 2018, já haviam sido derrubadas 3.800 árvores que estavam no caminho e extraídas aproximadamente 150 árvores antigas para a coleção de Ivanishvili.
As vontades de um homem mimado deixam rastros de desenraizamentos, de abusos do rico sobre os pobres, de crateras vazias da energia daquelas árvores.
A música em Taming the Garden
A música em Taming the Garden tem como supervisora musical Celia Stroom. Stroom é francesa e sempre esteve envolvida com arte. Seja com história, dança, seja com interpretação e música, sempre criou novos projetos artísticos. Desde 2019, a artista começou a explorar canções folclóricas na Geórgia, México, Moldávia, Índia e tem trabalhado com vocalista contemporâneas no projeto #theeyelistens.
Amiga pessoal da diretora Jashim, Stroom foi uma das primeiras a conhecer o projeto e as anotações da amiga e chegou a acompanhar gravações de Taming the Garden para então trabalhar nos fundos musicais.
No próprio trailer do documentário, podemos perceber que Stroom conduziu seu trabalho em total sintonia com a reflexão abordada pela diretora. Nele, a música tem a flauta como instrumento principal, trazendo um tom de tristeza, com ares de velório. E é exatamente o que qualquer pessoa com senso não-narcisista sente. Como se algo estivesse morrendo junto com a retirada daqueles vegetais.
Ivanishvili um narcisista?
Ivanishvili tem todos os traços tão mencionados por terapeutas de narcisismo. Ele faz tudo para ele mesmo, para suprir seus desejos. E sem se preocupar com qualquer consequência, muito menos com as necessidades de outrem. Não existe outro motivo, mesmo que ele algum dia venha colocar em público, que justifique tamanha falta de qualquer pudor.
Tanto sobre o aproveitamento da situação de pobreza de pessoas quanto sobre fazer o que quer sobre a vida no planeta. Para ele tanto faz desmatar grandes áreas para conseguir o acesso às árvores que deseja. Tanto faz deixar terras de famílias deterioradas, com rombos enormes para trás.
Um homem e seus prazeres. Algo somente visceral, fútil, sem noção alguma da complexidade do mundo e de como somos todos um.
Depois das gravações do documentário, desde julho de 2020, Bidzina Ivanishvili abriu o Parque Dendrológico Shekvetili, e muitos daqueles que venderam suas árvores (e sentem que venderam suas almas também) vão até lá na esperança de reencontrarem-se com suas árvores centenárias. A entrada no Parque é gratuita. E lá estão árvores gigantescas ainda presas por cabos, flamingos num tom forte de rosa, aves e alguns macacos. Afinal, do que vale uma coleção para um vaidoso, quando ele não pode mostrá-la, não é mesmo?
Por um Mundo Melhor, pense a respeito, cogite, critique. Não permita que atos como este lhe sejam comuns. É uma deficiência, uma excentricidade. Salomé Jashim não poderia ter colocado essa denúncia para o mundo de forma mais eficiente como bem deve fazer uma jornalista. Parabéns, Jashim, o mundo precisa de mais pessoas como você. Você conseguiu unir a sétima arte à denúncia necessária para repensarmos o que estamos fazendo nesse mundo, a que viemos afinal.
É bem como a diretora fala na entrevista: “parecia uma miragem, uma fenda, algo que não deveria acontecer”.
Jashim ainda conta que não incluiu crianças ou animais no filme porque eles se tratam de elementos que dão mais vida ao ambiente, tornam-no mais comum, e ela queria transmitir justamente a severidade, a falta de vida nas aldeias do leste europeu.
Em contraponto ela conta que várias crianças entendiam aquilo como “algo errado com a natureza”. Bom saber que as novas gerações ainda guardam o apreço pela vida e pelo meio ambiente em que vivem. Elas são o futuro, nosso futuro. Esperemos que essa visão horrível de ganância destruindo a natureza não traumatize ou influencie negativamente aquelas crianças.
Confira a entrevista da diretora na íntegra:
Por tudo isso, vemos que Taming the Garden é mais do que sétima arte. Trata-se de uma denúncia da triste realidade da ganância e do poder de um homem sem qualquer escrúpulo.